A volta de um debate esquecido?
Em 1962, Peter Bacharach e Morton Baratz publicaram o famoso artigo “Two Faces of Power,” sugerindo a existência de uma lacuna no igualmente aclamado livro de Robert A. Dahl “Who Governs?,” publicado um ano antes (1961). A crítica era simples, porém contundente. De forma a tratar o poder como uma fenômeno empiricamente verificável, Dahl teria restringido sua análise a “uma face do poder,” isto é, aquela que envolve a participação visível no processo de tomada de decisões. Visto desta perspectiva, o poder (em New Haven, diga-se de passagem, local onde o estudo fora conduzido) parecia fragmentado, não concentrado em nenhum grupo em particular, o que corroboraria a hipótese pluralista então em voga. A resposta oferecida por Bacharach e Baratz (1962), todavia, observava que o conceito de poder não pode ser reduzido à participação no processo de tomada de decisões. Embora existisse tal “face do poder,” esta seria apenas uma, mas nada dizia sobre a formulação da agenda política e das alternativas apresentadas como solução aos problemas levantados. Isto é, por que determinados temas eram ignorados e outros priorizados? Por que certas alternativas políticas nunca eram cogitadas? Por que, enfim, a dinâmica política prioriza certos problemas em detrimento de outros que sequer chegam a ser discutidos, quanto mais decididos? Mais importante, Bacharach e Baratz (1962) argumentaram que esta “segunda face do poder” se expressava em reações antecipadas por parte de grupos minoritários (em termos de poder e influência) que, por perceberem que suas demandas dificilmente seriam atendidas, sequer tomavam qualquer iniciativa de agir. Desta forma, tais grupos até poderiam participar formalmente do processo de tomada de decisões ajudando a lhe dar uma feição mais plural, mas existiria um claro viés nos tópicos sendo decididos e no conteúdo das alternativas políticas apresentadas.
Embora a ciência política mundo afora – Brasil incluído – siga priorizando a análise procedimental de processos decisórios (sendo o poder de agenda mero fator de vantagens estratégicas em meio a ele), os debates sobre o conteúdo e a formulação das agendas de políticas públicas parecem escanteados. Cumpre lembrar que este debate diz respeito àquele que provavelmente é um dos conceitos que define a ciência política como campo de pesquisa – o conceito de poder. Seguimos largamente ignorando esta “segunda face do poder” e, portanto, enviesando nossa análise justamente em relação a um dos conceitos mais caros à nossa disciplina.

Longe de ser a abordagem ideal para esta questão, cumpre observar que os trabalhos de Frank R. Baumgartner and Bryan D. Jones, inspirados em trabalhos anteriores de John W. Kingdon, Theodore Lowi e E. E. Schattschneider, entre outros, buscaram realizar esta análise no que tange à realidade política dos Estados Unidos, logrando relativo sucesso que pode ser observado em obras como “Agendas and Instability in American Politics” (University of Chicago Press, 1993) e “The Politics of Attention: How Government Prioritizes Problems” (University of Chicago Press, 2005), além do conteúdo site http://www.policyagendas.org, que torna públicos muitos dos dados utilizados pelos autores em suas obras. Até recentemente, todavia, esta iniciativa se encontrava restrita a acadêmicos estadunidenses e à análise da realidade política daquele país. Volume pulicado este ano pela Comparative Political Studies exemplifica que este não é mais o caso (http://cps.sagepub.com/content/44/8.toc), o mesmo se observando pelo número significativo de pesquisadores envolvidos no Comparative Agendas Project, como se pode ver no site http://www.comparativeagendas.org. Embora a ênfase ainda seja fortemente concentrada nos países ditos desenvolvidos (por exemplo, Bélgica, Canadá, França, Itália, etc), fica aqui a sugestão para que iniciativas semelhates sejam levadas adiante também no Brasil.