"Temos um sistema partidário que muda muito", afirma cientista política


Zero Hora, 21 Julho 2012
Eduardo Nunes
eduardo.nunes@zerohora.com.br
Apesar das distorções do sistema partidário brasileiro — com um total de 30 legendas —, a cientista política Maria Izabel Noll vê qualidades no modelo nacional. Ela considera a flexibilidade que permite tanto o crescimento de novas siglas quanto o declínio de outras.

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Abaixo, leia a entrevista concedida pela professora da pós-graduação em Ciência Política da UFRGS:

Zero Hora — Qual é o papel de candidaturas de menor expressão em uma campanha eleitoral de cidade grande?

Maria Izabel Noll — É na cidade grande, em geral nas capitais, que vai aparecer o maior número de candidatos e uma relativa expressão desses que a gente chama de pequenos partidos ou os chamados nanicos. Por quê? Porque na pequena cidade vai ter, em geral, oposição e situação. Como são cidades que não podem ter segundo turno, há um adiantamento da questão e as coligações se dão já num primeiro momento. Nos colégios eleitorais que têm possibilidade de segundo turno, os partidos apresentam candidatos porque querem também ter representação na Câmara de Vereadores. Então, é num segundo momento que eles vão negociar participação nas coligações. Esses candidatos que visivelmente não teriam condições de chegar à prefeitura, mas que concorrem assim mesmo, estão fazendo um cálculo de fortalecimento do partido, de tornar a sigla conhecida do eleitor. É isso que explica a manutenção dessas candidaturas.

Zero Hora — Até que ponto os candidatos de menor destaque são prejudicados pelas restrições orçamentárias?

Maria Izabel — O candidato vai poder investir menos em material de propaganda, vai contratar uma agência que não cobre tão caro. Não vai poder contratar um marqueteiro, ou pelo menos um grande marqueteiro que lhe dê conselhos. Agora, por outro lado, boa parte desses pequenos partidos são, na sua maioria, de esquerda, acentuadamente de esquerda, e são muito críticos à parafernália de propaganda eleitoral ou de gastos demasiados. São partidos que querem investir em uma conscientização do eleitor, de uma forma mais ideológica, mais consistente, menos vinculada à ideia de um mercado político, de eles serem um produto a ser vendido. Então, tem um lado que não é bom, de não haver muitos recursos, mas tem outro que vem ao encontro de uma certa posição ideológica desses partidos, que realmente se negam a entrar numa lógica mercadológica do processo eleitoral. Eles querem militantes de longo prazo.

Zero Hora — O tempo de TV é determinante numa eleição municipal?

Maria Izabel — Não diria determinante, mas é muito importante. Analisei a eleição de 2008 em Porto Alegre. E chamava muito a atenção, quando a gente pegava as pesquisas de março e abril, que, não só José Fogaça como prefeito, mas o governo dele em geral era razoavelmente mal avaliado. O que se notou, quando avaliamos os resultados das pesquisas no período de início do horário eleitoral e dos primeiros debates, houve um fenômeno que não tem como explicar a não ser pela própria propaganda. Eu não diria que foi o horário eleitoral tradicional, mas as inserções que os candidatos podem fazer ao longo da programação diária das emissoras. O que podemos dizer é que, entre agosto e setembro, a avaliação do governo mudou. Por quê? Porque ele entrou nos debates e na propaganda e reconstruiu uma interpretação do seu governo. E isso reverteu. Tem uma mudança de avaliação entre 1º de agosto e 15 de setembro que é importantíssima para o candidato reverter sua imagem. Eu não vou dizer que a propaganda de TV é o que decide a eleição. Mas, visivelmente, é muito importante. Os partidos não estão fazendo uma estratégia enlouquecida de coligação, de conseguir mais um ou dois minutos por puro diletantismo. Eles sabem muito bem do que estão falando.

Zero Hora — Qual a diferença dos nossos partidos de menor popularidade em relação aos partidos nanicos das eleições americanas?

Maria Izabel — O nosso sistema multipartidário tem muito mais permeabilidade para incorporar um determinado pequeno partido, que pode se tornar médio e chegar a ser grande, do que no sistema americano, onde há quase um congelamento da tradição bipartidária. Nos Estados Unidos, a possibilidade de surgir um terceiro partido majoritário é remota porque o eleitor americano está mais ou menos moldado, enquadrado naquelas duas grande plataformas: a republicana e a democrata. São plataformas que contemplam os valores cívicos básicos da sociedade americana e as visões diferentes de mundo no que diz respeito a coisas muito específicas. Nós temos uma outra tradição, que tem mais sutilezas. Temos um sistema partidário que muda muito. Somos flexíveis nesse sentido. E há pequenos partidos que vêm a se transformar em médios e grandes. Há grandes partidos que perdem importância. Está aí o Democratas. Essa flexibilidade eu, particularmente, acho uma qualidade do sistema.

Zero Hora — Como seria possível para um candidato de menor expressão driblar as desvantagens e ganhar destaque na campanha?

Maria Izabel — A eleição municipal tem uma particularidade que é o reduzido escopo do colégio eleitoral. Um município é algo que pode ser feito no velho e tradicional contato direto, pessoal, de porta em porta. O comício, o contato pessoal, a conversa. É por aí que o candidato vai se construindo. Mas claro que é uma luta árdua contra a máquina dos grandes partidos.